André Heller, campeão olímpico do Voleibol e membro do Colegiado de Direção do CBC concede entrevista sobre experiências olímpicas e o papel dos Clubes formadores no desempenho brasileiro nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020

17, Agosto 2021
André Heller, campeão olímpico do Voleibol e membro do Colegiado de Direção do CBC concede entrevista sobre experiências olímpicas e o papel dos Clubes formadores no desempenho brasileiro nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020

Como já apresentado pelo CBC no balanço geral dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, os Clubes formadores desempenharam um papel de extrema relevância para as conquistas dos atletas nos Jogos. O País teve o melhor desempenho de todos os tempos, com a conquista de 21 medalhas, e dos 303 atletas convocados, 268 são atletas de Clubes, uma representação de 88%.

AndreAndré Heller, medalhista olímpico do Voleibol, membro do Colegiado de Direção do CBC e também atleta formado em Clube, comentou os resultados do balanço em uma entrevista exclusiva ao CBC, onde também destacou suas experiências olímpicas e a importância dos Clubes para o seu desenvolvimento como atleta.

André atuou pela Seleção Brasileira de Voleibol e conquistou, ao longo de sua carreira nas quadras, uma série de medalhas. Apenas na Liga Mundial de Vôlei foram seis medalhas de ouro, além de prata e bronze. Trouxe para o Brasil a medalha de ouro nas Olimpíadas de Atenas, em 2004, e de prata nos jogos de Pequim, em 2008. Atualmente, continua vinculado ao esporte, como coordenador técnico do time Vôlei Renata e, desde 2014, é Embaixador do Esporte Banco do Brasil e ministra palestras para escolas, universidades e empresas.

 

Confira a entrevista exclusiva

Comitê Brasileiro de Clubes – Qual foi a sua experiência mais inesquecível enquanto atleta nas edições dos Jogos Olímpicos em que participou?

André Heller – Foram dois momentos importantes e inesquecíveis. O primeiro foi a minha participação nas Olímpiadas de Sidney na Austrália, nós ficamos em sexto lugar, obviamente não teve conquista de medalhas, porém ali como foi minha primeira experiência e eu vivi a magnitude daquele momento, foi muito importante para que eu decidisse que eu queria participar de novo, eu queria ter uma chance de viver aquilo de novo e conquistar uma medalha. Eu lembro como se fosse hoje, nós fomos desclassificados e disputamos a posição de quinto a sexto, e a equipe brasileira foi embora. Eles anteciparam o voo, mas eu decidi ficar, mantive minha passagem original, que era depois da final e fiquei sozinho lá na vila, aproveitando aquela experiência.

Lembro que ali eu vi que existe dois momentos para um atleta nas Olimpíadas. O primeiro é vivenciar a atmosfera olímpica, o outro é você estar preparado para vivenciar o clima de competição, são momentos bacanas, mas são diferentes. Naquele momento eu decidi: quero ter mais uma experiência dessas. O segundo momento foi em Atenas, com a conquista da medalha de ouro, e de novo tive a oportunidade de experimentar a atmosfera olímpica, porém me sentindo totalmente preparado para o clima dos Jogos. Esses dois momentos foram complementares.

E nós não precisamos esperar que o atleta participe pela primeira vez de uma Olímpiada para levar esse sentimento para eles, podemos prepará-los pra isso. Quando eu recebi a medalha, a partir desse momento, eu percebi que algo diferente havia acontecido, é diferente de qualquer outra medalha. Você conquista outras competições, celebra, dias depois você a arquiva em um local importante e vai se preparar para as outras. A medalha olímpica é diferente, você vai guardar, você vai celebrar, mas algo foi preenchido dentro de você e que nunca mais vai estar vazio. Essa é a sensação que eu tenho, nunca mais eu fui o André de antes. É um divisor de águas, toda vez que eu vou mostrar a medalha para alguém ou vou falar sobre isso, eu fico até mais empolgado que o normal, porque realmente é diferente. Costumo dizer que todos deveriam vivenciar a atmosfera olímpica.

 

Comitê Brasileiro de Clubes – E qual é a sua experiência mais importante agora enquanto analista dos Jogos atuais, como comentarista de grandes emissoras de TV, e o que mais marcou nessa edição dos Jogos? Qual atleta ou qual fato foi o momento mais emocionante para você?

André Heller – Essa Olímpiada foi um divisor de águas no entendimento do que representa o esporte em nossa sociedade. Em meio a uma pandemia, os atletas tiveram muita dificuldade de treinamento. Os Clubes foram muito importantes nesse processo, entenderam que haviam protocolos a serem seguidos pela segurança de todos, mas ao mesmo tempo, foram criadas condições para que os atletas continuassem o processo de treinamento.

Foi a Olímpiada que resgatou o que o esporte deve representar para a sociedade, mostrou que o esporte vai muito além de resultados, da conquista de medalhas. Nós literalmente celebramos a vida, foi a olímpiada de superação através dessa ferramenta poderosa que é o esporte. Costumo dizer hoje em dia que o esporte não é nem mais uma ferramenta de educação, o esporte é educação. Em minha visão agora de fora, como analista e como espectador, isso ficou muito claro.

Fiquei muito feliz com todas as conquistas de medalhas dos atletas brasileiros. Mas por trás dessas conquistas, por trás desses resultados, tem muita história bonita. E sempre se trata da história, independente da conquista da medalha ou não. Os atletas se dedicaram muito, tem muita gente envolvida, muitas histórias que valem ouro. Em Jogos Olímpicos, por mais que as medalhas sejam a cereja do bolo, não se trata essencialmente de medalhas e sim de pessoas.

Histórias tem o poder de mudar histórias, e todas as histórias me emocionaram, como a da pequena Raíssa, que nos mostrou que é possível sim ter grandes resultados com leveza, com felicidade e com diversão, e que a alegria durante a jornada contribui para grandes resultados. Tivemos a história da Rebeca Andrade que foi maravilhosa e conquistou resultados que talvez nem ela imaginasse, mas ela estava preparada. Nós tivemos inúmeras histórias de atletas que conquistaram medalhas e atletas que não conquistaram medalhas, mas que são histórias incríveis que servem de inspiração, inclusive pra mim que tenho duas medalhas olímpicas e participei de três olímpiadas.

 

Comitê Brasileiro de Clubes – Dos índices apresentados pelo CBC referente ao Programa Rumo a Tóquio sobre a atuação dos clubes na formação dos atletas, para você, qual foi o que mais chamou a atenção, já que é membro do Colegiado de Direção do CBC?

André Heller – Todos os percentuais me chamaram atenção, porque são números que retratam um trabalho em conjunto do Comitê Brasileiro de Clubes e dos Clubes, e esse trabalho é resultado de um processo longo e intenso de construção de um ambiente propício para que os atletas se desenvolvam. 

Um dos números mais expressivos e importantes é o de 88% dos atletas convocados serem de Clubes formadores. Isso demonstra o resultado desse processo intenso e qualificado proporcionado pelos Clubes. O que vimo nos Jogos de Tóquio é a ponto do iceberg, mas há por baixo todo esse processo que é traduzido por esses números, que mostra que é graças a essa base que conquistamos esses resultados.

Esses Jogos Olímpicos foram emblemáticos. Em meio a uma pandemia, com protocolos rígidos de cuidados com a saúde, ao invés de presenciarmos um isolamento, houve uma união maior entre todos os stakeholders e protagonistas no processo de formação desses atletas para que eles se preparassem para os Jogos nessa situação, e ainda batêssemos o recorde de conquista de medalhas.

O componente financeiro é muito importante dentro dessa engrenagem, e o fato de o CBC ter a visão de adiantar os editais para beneficiar os Clubes durante a pandemia em 2020 e criar condições para que os Clubes fossem contemplados para preparar os atletas em meio a pandemia foi fundamental.

 

Comitê Brasileiro de Clubes – Qual recado você passaria aos Clubes Formadores para este Ciclo Olímpico, visando Paris 2024, já que ele será mais curto e necessitará de grande adaptação de todos?

André Heller – Gostaria de deixar um agradecimento para todos os Clubes, por tudo que eles fazem pelos atletas e pelo segmento esportivo brasileiro. Eu fui um atleta de Clube, iniciei no esporte na Sociedade Ginástica Novo Hamburgo-RS, e eles mudaram minha vida. Fui federado por eles no primeiro momento, depois fui evoluindo na carreira e fiz parte do Ulbra - Canoas Sport Club-RS, Minas Tênis Clube-MG, Floripa Esporte Clube-SC e Unisul Esporte Clube-SC, todos de muita relevância.

Meu recado para os Clubes é que eles se apropriem do protagonismo que eles têm, porque os Clubes são fundamentais. O senso comum acredita que os atletas são os protagonistas do esporte brasileiro, mas não é apenas isso. Os atletas fazem parte desse sistema gigantesco, que envolve o Comitê Brasileiro de Clubes, os Clubes formadores, gestores esportivos, técnicos, entre outros e todos eles são protagonistas e peças fundamentais dessa engrenagem. Nesse sentido, os Clubes devem, porque eles os são, se sentir protagonistas desse processo todo. São eles que criam as condições cada vez melhores para que os atletas se desenvolvam, se capacitem e busquem o melhor desempenho.

 

Comitê Brasileiro de Clubes – E qual recado você deixa para os atletas?

André Heller – Meu recado para os atletas é que eles compreendam que a conquistas das medalhas, o pódio, essa jornada no esporte veio através de uma rede de apoio muito grande, que eles podem e devem ter essa rede, que isso é muito poderoso. É uma forma de reconhecer os Clubes e os demais stakeholders mas também de atuar com tranquilidade. Os atletas não estão sozinhos, eles têm essa rede de apoio, que muitas vezes fica escondida, mas que é muto sólida, e eles podem contar com ela, se cercar dessas pessoas para que ele se desenvolva. E também que eles aproveitem a jornada no esporte. Todos queremos as medalhas, os êxitos no esporte, mas eles têm que aproveitar as pequenas vitórias do dia a dia, aproveitar a trajetória.