Lars Grael, atleta medalhista olímpico, campeão mundial da Vela e membro do Colegiado de Direção do CBC, concedeu uma entrevista exclusiva para comentar o balanço geral dos Jogos Olímpicos de Tóquio produzido pelo CBC, e destacou a importância dos Clubes formadores para o desempenho dos atletas nos Jogos.
Como já apresentado pelo CBC em seu balanço geral, os Clubes formadores desempenharam um papel de extrema relevância para as conquistas dos atletas nos Jogos de Tóquio. O País teve o melhor desempenho de todos os tempos, com a conquista de 21 medalhas, e 15 delas foram de atletas pertencentes aos Clubes, o que representa 72% do total de medalhas.
Lars Grael é um dos grandes nomes da Vela brasileira, com medalhas Olímpicas nos Jogos de Seul 1988, em dupla com o proeiro Clínio Freitas e de Atlanta 1996, ao lado de Kiko Pelicano. Possui larga experiência na execução de recursos públicos para o esporte. Foi Superintendente do Comitê Brasileiro de Clubes de 2014 a 2017, Secretário Nacional do Esporte e Secretário de Esporte e Lazer do Governo do Estado de São Paulo, além de integrante da Comissão Nacional do Atleta. Também fez parte do Conselho Nacional do Esporte e é fundador da Atletas pelo Brasil.
Confira a entrevista exclusiva
Comitê Brasileiro de Clubes – Qual foi a sua experiência mais inesquecível enquanto atleta nas edições dos Jogos Olímpicos em que participou?
Lars Grael – É o topo da montanha, o topo do Monte Olimpo, para quem sonhou um dia chegar nas Olimpíadas que é o maior evento da humanidade. No meu caso cheguei como atleta da Vela na primeira ocasião, nos Jogos Olímpicos de Los Angeles 1984, em dupla com o proeiro Glenn Haynes na classe tornado. Chegar na Olimpíada já era um feito para quem estava iniciando no esporte Olímpico. Até mesmo porque na eliminatória eu tive que enfrentar ídolos que eram os atuais campeões Olímpicos dos jogos anteriores em Moscou 1980, a dupla brasileira Alex Welter e Lars Bjorkstrom, então essa primeira Olimpíada foi muito marcante.
A segunda Olimpíada, conhecida como Olímpiada da Paz, porque era a primeira vez que reunia as duas maiores potências olímpicas, União Soviética e Estados Unidos da América depois de sucessivos boicotes em 1980 e 1984, foi também marcante, até mesmo porque pra nós da Vela foi um evento com condições atípicas de muito mar e de muito vento. Foi a conquista da minha primeira medalha na classe tornado, em dupla com o Clínio Freitas, então cada Olimpíada foi uma história marcante.
Em Barcelona 1992, Jogos em que éramos favoritos e não conquistamos medalhas, tivemos muitas cobranças, lidar com a derrota e aprender com ela. Em Atlanta 1996, a minha quarta e última Olimpíada como atleta, a equipe de Vela tinha o gosto da superação, porque nós vínhamos de um fracasso em Barcelona, e a Vela brasileira realizou um sonho, com duas medalhas de ouro e a nossa de bronze, e vencemos no quadro de medalhas. Brasil, país do futebol, vem ser o país número 1 da Vela. Foi uma história que nós escrevemos na Vela internacional, que é inesquecível.
Depois de Atlanta aconteceu o meu acidente, o fim do sonho olímpico, mas ter voltado ainda aos Jogos Olímpicos de Sidney 2000 como coordenador da equipe olímpica de Vela foi uma experiência notável, mesma função que eu exerci também em Atenas 2004.
Comitê Brasileiro de Clubes – E qual é a sua experiência mais importante agora enquanto analista dos Jogos atuais, como comentarista de grandes emissoras de TV, e o que mais marcou nessa edição dos Jogos?
Lars Grael – Acho que a experiência nessa posição é interessante porque você vê por uma outra ótica, somado ao fato que eu tive a experiência da ótica do atleta em outras quatro ocasiões e na visão do técnico e coordenador técnico em outras duas. E nesse meio tempo eu exerci cargos de gestão no esporte, então pude ver o esporte por uma visão e um prisma muito mais completos, pude ter um panorama sobre o desenvolvimento do esporte no Brasil.
Ter participado como comentarista de esportes da Globo trouxe uma visão totalmente diferente. Olhar como comentarista, como estive presencialmente na raia na Rio 2016, ou acompanhando pelos estúdios em Tóquio 2021, é diferente.
Comitê Brasileiro de Clubes – Dos índices apresentados pelo CBC referente ao Programa Rumo a Tóquio sobre a atuação dos clubes na formação dos atletas, para você, qual foi o que mais chamou a atenção, já que é membro do Colegiado de Direção do CBC?
Lars Grael – Acho que todos os índices são relevantes quando observados individualmente: das 7 medalhas de ouro conquistadas pelo Brasil, 6 são de atletas de Clubes; 77% dos esportes com medalhas são de atletas de Clubes; de 21 medalhas conquistadas, 15 são de atletas de Clubes formadores; 92% das instituições que enviaram atletas para os Jogos são Clubes formadores; 88% de toda a delegação brasileira são atletas formados em Clubes. Todos esses índices comprovam mais uma vez que os Clubes representam a matriz da formação de atletas no Brasil, sem demérito algum a outras iniciativas que se complementam. Não há uma questão de competição ou de supremacia, todos têm seus papeis e se complementam, mas fica uma prova inequívoca que o papel dos Clubes é crucial.
Os números também justificam muito o papel do Comitê Brasileiro de Clubes, organizando, planejando e gerando uma política para a descentralização de recursos. O CBC motiva que os Clubes tenham coerência na formação de atletas por meio dos eixos de financiamento, como na organização dos Campeonatos Brasileiros Interclubes® - CBI, que sem o CBC não aconteceriam. E eles tem um papel vital porque se encaixam no sistema das Federações estaduais, das Confederações brasileiras, e do Comitê Olímpico do Brasil (COB), promovendo também o benefício de aquisição de equipamentos e materiais esportivos, e apoiando também na área de recursos humanos, na contratação de profissionais multidisciplinares para formação de atletas e no acompanhamento das competições esportivas. Esse papel do CBC hoje é estruturante, sem o qual o Brasil teria uma dificuldade muito grande.
Comitê Brasileiro de Clubes – Qual recado você passaria aos Clubes Formadores?
Lars Grael – Os Clubes sempre tiveram o papel de formação de atletas e os Clubes centenários tiveram muita importância para a conquistas de medalhas no passado. Esses Clubes se organizaram através da criação da então Confederação Brasileira de Clubes em 1990, com Clubes grandes, tradicionais e multiesportivos. Então essa Confederação passou a ter um assento no Conselho Nacional do Esporte (CNE) e ser reconhecida como entidade superior do esporte, assim como o Comitê Olímpico do Brasil (COB) e Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB).
A Confederação então se tornou Comitê e passou a descentralizar recursos em 2014, ainda para um grupo relativamente pequeno de Clubes filiados, e em um curto espaço de tempo, o CBC hoje atinge mais de 170 Clubes integrados ao seu Programa nos três eixos de formação, gerando também uma integração nacional. Ver hoje os Campeonatos Brasileiros Interclubes® - CBI, e Clubes de todas as regiões do país se integrando, representa um crescimento muito importante. A estrutura proporcionada pelo CBC motiva muito, pois uma vez que a base está estruturada, você consegue estruturar como um todo o esporte brasileiro. O recado é que essa integração é essencial para a sustentabilidade do esporte nacional.
Comitê Brasileiro de Clubes – E qual recado você deixa para os atletas?
Lars Grael – O CBC possui um projeto de Embaixadores, que são atletas no nível de formação, no nível regional, nacional e atletas olímpicos. Apesar do CBC ser formado por um Colegiado de Clubes, a presença dos atletas é o que motiva e justifica a existência do CBC. Então, o recado é que quanto mais os atletas obtiverem conhecimento do que é o CBC, quais são os seus três eixos do Programa de Formação de Atletas e os resultados já obtidos pelo programa, quanto mais o atleta tiver noção de pertencimento ao sistema do CBC, melhor. O fortalecimento da representação do atleta é de suma importância, é fundamental.